22/06/2015

Humans of Rio Grande: Uma flor que nasceu no asfalto

Já comentei em alguns posts sobre Rio Grande, a cidade em que moro. Ela é uma cidade portuária, a mais antiga do Rio Grande do Sul, tem a maior praia do mundo (Cassino) e cerca de 200 mil habitantes. Como qualquer outra cidade, Rio Grande tem coisas boas e ruins, mas independente de qualquer coisa, eu amo viver aqui. E, recentemente, uma coisa bem inusitada aconteceu por aqui: o surgimento de uma página chamada Humans of Rio Grande, que tem como objetivo valorizar histórias de pessoas que vivem na nossa cidade. Independente de raça, orientação sexual ou religião, o projeto está aí para mostrar que atrás de cada um de nós pode se esconder uma bela história de vida.

O projeto "Humans of" não é exclusivo daqui. Na verdade, ele surgiu em 2010 como "Humans of New York", idealizado pelo fotógrafo David Stanton. A ideia original fez tanto sucesso que hoje já conta com mais de 13 milhões de curtidas no Facebook e um fotolivro publicado. E não demorou muito para que a ideia começasse a se espalhar pelo mundo. Só no Brasil já são dezenas de páginas nesse estilo. Aqui em Rio Grande, o projeto ganhou vida no começo do mês através de uma jornalista rio-grandina que por enquanto prefere não se identificar (ao longo da entrevista vocês vão entender o porquê). Quando entrei em contato com ela para saber mais sobre a página, ela concordou em me conceder esta entrevista, que eu venho com muito orgulho apresentar para vocês, por ser a minha primeira (de muitas, eu espero). Vamos conferir?

P.S.: Já vou adiantando que o post está bem longo, mas acreditem em mim: vale a pena ler até o final!

Paulo Kiiter, 37 anos - História
É possível ver que a página obteve um alcance imenso em pouquíssimo tempo. Como você se sente quanto a isso?

No interior só existe uma página como essa, que é a de Caxias do Sul. A página de lá existe desde Março, e em uma semana nós já temos o dobro de curtidas [no momento da entrevista a página estava com mais de 7000 curtidas]. Isso mostra que as pessoas precisam disso, sabe? Mostra que realmente gostaram da ideia. E vejo coisas muito legais que eu não estava esperando, como pessoas que não se conhecem interagindo nos comentários. A página está conectando as pessoas pelo bem; e a participação tem sido espetacular. Olha só a história da Maria! Todo mundo conhece ela, e a foto dela uniu as pessoas para conversarem sobre uma coisa boa. Mas a verdade é que quando criei a página, convidei todos os meus amigos para curtirem e fiquei esperando, mas nunca esperava que fosse ter um alcance tão grande e em tão pouco tempo. Quero dizer, só ter colocado o projeto em prática já tinha sido uma grande realização pessoal para mim!

De onde veio a ideia de criar a página?

Não foi uma ideia minha criar a página; esse projeto já existe em várias outras cidades do mundo, eu só achei que a cidade estava precisando de algo assim e resolvi "importar" para cá. O que mais tem na internet são críticos de sofá, então pensei que era hora de as pessoas usarem o tempo que passam online para outra coisa, para conversarem sobre coisas boas. Infelizmente existe uma barreira entre as pessoas, e não era pra ser assim. Não entendo porque não podemos conversar com estranhos na rua. Não é como se fosse errado, como se fosse feio, e as pessoas parecem estar percebendo isso agora, sabe? Ao comentar as imagens é como se estivessem interagindo com as pessoas que eles não têm coragem de falar pessoalmente.

Vassoirou Diouf, 31 e Elhadji Ndiaye, 30 - História
Por que você prefere não expor sua identidade ainda?

Ah, quanto a isso, tem pessoas que confundem, que acham que eu sou o senegalês [da foto de perfil]. Inclusive já vieram me perguntar se eu falava português! Mas eu não me importo, sabe? Na realidade o que as pessoas estão consumindo são as histórias, e por isso acho que não importa quem está por trás disso, porque podia ser qualquer um. Eu sinto que não faço nada demais, eu só quero emocionar as pessoas. O que eu faço de diferente é levantar da cadeira e ir tirar as fotos. Eu sou só a "hospedeira" das histórias, o fato de eu me identificar ou não não vai mudar o impacto que elas têm na vida das pessoas. 

Quais são seus planos para o futuro quanto ao projeto?

Eu penso até em talvez aumentar o projeto, torná-lo colaborativo, porque eu vejo um futuro muito promissor para ele. Acho que tem bastante espaço para algo assim aqui na cidade - as pessoas estão me mostrando isso. E eu percebi que também é possível torná-lo um fotolivro. É algo muito empolgante, e vejo que as pessoas consumiriam isso. Mas, por enquanto, eu só penso em colaborar para a cidade; jogar todas essas histórias na rede e esperar que as pessoas gostem.

Maria, idade desconhecida. - História
Para você, tem alguma história que foi mais emocionante registrar? 

Agora pensando, eu gosto de todas. Mas, ironicamente, foi a da Maria. Ela me emocionou muito pelo fato de ela dizer que "não se lembra" da história dela. A questão é que ela provavelmente lembra, mas o fato de não querer contar significa que deve doer muito. Isso já diz muita coisa sobre ela. E o que as pessoas fizeram ali foi incrível; tenho certeza que se ela pudesse ver nos comentários o que as pessoas acham e falam dela, ela ficaria feliz, porque querendo ou não eles estavam (re)construindo a história dela.

Por que você acha que o projeto é tão importante na vida das pessoas?

Como eu já disse, eu chorei com o exemplo da Maria. Um dos motivos é pelo impacto a história - de um estranho - pode ter. Foi maravilhoso ver as pessoas interagindo, relembrando memórias. É doce. Eu penso que mesmo o projeto sendo pequeno ainda, quem leu e no outro dia saiu na rua e encontrou alguma dessas pessoas, olhou pra ela de um jeito totalmente diferente, com um olhar humano, de compaixão.
Hoje em dia tem muita gente que só espalha o ódio na internet, e com um projeto desses, tu "matas" todas essas coisas ruins que te sufocam. O projeto é simples, mas tem um poder tremendo de mobilizar as pessoas. Eu fico espantada ao ver comentários de pessoas como se o projeto fosse algo... extraordinário. É fantástico, principalmente porque as pessoas não estão acostumadas a isso. Mas eu aposto que todo mundo já chegou a pensar nisso um dia - por mais focadas que elas estejam nas suas próprias vidas. No fundo todos elas se importam e, com certeza, já pensaram alguma vez "poxa, como deve ser a história desse fulano?".

Você já entrevistou alguns imigrantes para a página. Como funciona esse processo?

Nas entrevistas com estrangeiros (que normalmente falam francês) eu gravo todas as conversas, porque eu posso perder muito detalhes importantíssimos se não fizer isso. As entrevistas com eles normalmente são as mais longas, porque nós termos muita dificuldade em nos entendermos. Além disso, mesmo sendo muito simpáticos, alguns deles ficam bem receosos em aparecer nas imagens.

Como surgiu essa "necessidade" de humanizar as pessoas ao seu redor?

Isso vem muito da minha família. Eu sempre aprendi a olhar as pessoas de uma forma humana. Meu pai me ensinou isso. Ele me ensinou que se tu plantares coisas boas, tu vais colher coisas boas. Sempre fui curiosa, então desde pequena eu tive noção de que é importante conhecer as pessoas à nossa volta. E tem histórias que nem nas melhores novelas tu vais encontrar. Sempre tive essa necessidade de interferir, de fazer alguma coisa pra influenciar na sociedade. E acho que qualquer boa ação já faz a diferença, seja lidando com pessoas, com meio ambiente, ou com o que quer que seja. O importante é fazer com o coração, não fazer por fazer. Com poucas atitudes tu consegues transformar o mundo ao teu redor.

E por último, qual a mensagem que você deixa para as pessoas que acompanham o projeto?

Meu conselho é para que comecem a explorar mais o mundo ao seu redor, a interagir mais com as pessoas, porque atrás de cada um existe uma história de vida que pode te surpreender - e meu objetivo com o projeto é justamente contar essas histórias.
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Espero que tenham gostado da entrevista, e não deixem de curtir a página do projeto. Aliás, queria deixar um muito obrigada para a idealizadora por ter me concedido essa entrevista (e por ser uma ótima companhia), e dizer que continue sempre trazendo histórias emocionantes para tornar nossos dias mais felizes!

Qualquer dúvida ou pergunta é só comentar aqui embaixo!
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